Psicanálise e a etiologia das fobias
Existem múltiplos fatores relacionados à infância que podem estruturar a neurose ou psicose fóbica. Apresento um apanhado geral do ponto de vista da psicanálise das principais situações que podem fazer com que o indivíduo desenvolva fobias:
No início das nossas vidas, como bebês, precisamos ser amparados, alimentados, termos nossas dores físicas internas (cólicas) aliviadas, além de recebermos aconchego.
Nos primeiros meses de vida o bebê imagina que a mãe seja uma extensão de seu corpo. Há uma sensação de onipotência mágica, como se ele fosse mágico, de forma que ao pensar que está com fome o leite escorre pela sua boca.
No entanto, à medida que o bebê cresce, a mãe se afasta, ele começa a perceber que algo não está funcionando como antes e que há um eu diferente do outro (mãe), mas que eles continuam ligados como um só corpo. Esse processo de simbiose, entre mãe e bebê, faz com que o último passe pela angústia de aniquilação. Toda vez que o cuidador se ausenta, há um medo constante de que o outro se separe do eu. Se os cuidadores forem incapazes de suprir as necessidades do bebê, seja por inexperiência ou narcisismos dos pais, seja por não saberem elaborar a separação, esse desamparo inconsciente estará presente na vida do adulto. Mais tarde, se manifestará como sintoma de medo angustiante, podendo ser deslocado e projetado em um objeto ou uma situação.
Um exemplo dessa situação é o desenvolvimento da autofobia (medo angustiante de ficar sozinho). É muito comum na clínica observarmos casais que se casam apenas para não ficarem sozinhos. Eles reproduzem a simbiose com a mãe e estão juntos para não enfrentaram o terrível medo da solidão. Infelizmente, eles não têm consciência desse fato! É comum ouvirmos um dos cônjuges dizer:-"nós sempre fazemos tudo junto, para onde ela ou ele for eu vou", demonstrando que há uma simbiose patológica.
Problemas na separação e individuação
Muitas fobias estão relacionadas à etapa de separação e individuação da criança em relação à mãe. A individuação é realizada através do conflito edípico, pois na resolução do conflito edípico a criança se reconhece como um indivíduo separada da mãe e começa a se relacionar com o diferente (função paterna). Na clínica a deficiência no processo de separação individuação pode ser observada pela simbiose que o analisando apresenta com a mãe. Essa dificuldade de individuação, quase sempre está relacionada ao fato de que, na infância, a mãe desvalorizava e excluía a figura paterna. O indivíduo simbionte tem medo simbólica de perder a mãe real ou internalizada, pois sem ela não há indivíduo, novamente observamos aqui o medo da aniquilação, que pode estar associado à angústia de castração.
O indivíduo em simbiose com a mãe pode apresentar um duplo estado de medo: o de engolfamento (medo de ser devorado pela mãe simbólica em virtude da simbiose) e da separação total (medo da perda do objeto), de forma que esse indivíduo precisa de um espaço para se movimentar, denominado espaço fóbico. Muitos analisantes desenvolvem a fobia social, o medo angustiando do diferente, podendo apresentar ataques de pânico ao terem que sair de casa. Para essas pessoas, o contato social (com o diferente) é muito angustiante.
Simbolização e deslocamento da ansiedade
Nos estados fóbicos há sempre um processo de evitação dos agentes causadores da ansiedade. A situação fóbica externa (medo de avião, medo elevador, medo de aranha, medo de falar em público, medo da análise, etc.) é o resultado do deslocamento, simbolização e projeções das pulsões e objetos internos dissociados que foram representados no ego como perigosos.
Existe também uma rede de significantes trazidos da infância que são deslocados e simbolizados que estão relacionados ao estado de ansiedade. Esses significantes estão inseridos em nossa cultura como o medo do escuro, da solidão, de estranhos e estão ligados ao medo da perda da mãe ou do amor dela.
Identificação da criança com a fobia dos pais
É comum na clínica o analisando apresentar uma grande identificação com o medo dos pais, porque houve uma intensa identificação projetiva do medo dos pais na mente da criança. Um exemplo clássico é o medo de trovão, repassado de geração em geração. Podemos observar que o discurso dos pais sobre a mente da criança é um importante gerador de fobias no adulto.
David Zimerman (2007), fala sobre a importância de um discurso mais realista em relação aos medos que a criança possa apresentar. Por exemplo, ao invés de reforçar o medo que a criança sente com o barulho do trovão, os pais deveriam auxiliar a criança a elaborar o medo. Durante a tempestade, os pais poderiam explicar a origem da formação do trovão e o porquê do atraso do som em relação à luz. Este tipo comportamento, não só reduz a ansiedade como pode gerar aprendizado.
Fobias e a clínica psicanalítica
Na clínica, é esperado que o analista possa auxiliar o analisando a elaborar o medo transformando-o em palavras. No processo analítico os conteúdos inconscientes, relacionado as pulsões e objetos internos, deslocados, projetados e simbolizados pelo ego por representarem um perigo, são trazidos para o consciente para poderem ser reelaborados e ressignificados. Em casos em que a fobia está relacionada ao trauma recente, como, por exemplo, no estresse pós-traumático, geralmente, há um esquecimento dos eventos que levaram aos sintomas angustiantes. O método analítico pode também ser utilizado para que o analisando possa relembrar e reelaborar a situação traumática, resultando na redução da ansiedade e dos sintomas angustiantes.
Conforme a origem da fobia, o analista conduz o processo tanto de individuação quanto da castração simbólica do analisando, através da transferência e pelo método da associação livre. À medida que a individuação é realizada e, havendo a percepção da identificação projetiva do medo dos pais, com o tempo, o resultado da análise é o alívio dos sintomas de medo.
Referência bibliográficaZimerman, David E. Fundamentos psicanalíticos [recurso eletrônico] : teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2007