Podemos associar a obsessão ao pensamento que se comporta como um corpo estranho, infiltrando na mente e atormentando o sujeito, enquanto a compulsão é ato motor realizado pelo neurótico na ânsia de reduzir a pressão e a ansiedade relacionada a esses pensamentos. Outro aspecto importante que devemos considerar é a respeito do quanto esse caráter obsessivo-compulsivo pode interferir na vida social, afetiva, familiar e profissional da pessoa, a ponto de se tornar incapacitante.
Caráter obsessivo
A sociedade atual tende a valorizar pessoas com predominância de caráter obsessivo. Na prática analítica o que se observa é que esse indivíduo, geralmente, tem uma vida profissional bem sucedida. Apesar disso, a presença de ansiedade constante, rigidez de caráter e cobranças excessivas tornam-se angustiantes ao longo da vida do sujeito. Pessoas perfeccionistas possuem o caráter obsessivo-compulsivo e tendem a refazer seus trabalhos várias vezes, sempre acompanhado da sensação de que nunca está bom o suficiente.
Posições do caráter obsessivo-compulsivo
O indivíduo com caráter obsessivo-compulsivo pode tomar duas posições: uma em que há o predomínio da passividade, com dificuldades de tomar decisões, nessa posição a pessoa obsessiva está sempre se subjugando; ou ser muito agressivo, com tendência ao mandonismo, intolerância às falhas, erros ou limitações dos outros. Geralmente, os líderes tiranos estão entre as pessoas cujo caráter obsessivo é predominante agressivo, são pessoas bem sucedidos e, na maioria das vezes, bem intencionados, mas odiadas pelos seus liderados.
Como a psicanálise explicaria a estruturação do caráter obsessivo
Inicialmente, o bebê é totalmente dependente da mãe para sobreviver. Por esse motivo, ele vive em um estado fusão (simbionte) com a mãe. À medida que a mãe vai se afastando, o bebê percebe que é um indivíduo separado, mas como ainda é muito dependente, torna-se o centro das atenções da mãe. Esse fato, cria fantasias de onipotência e onipresença, o bebê volta-se totalmente para si, vivendo uma fase conhecida como narcisismo primário, em alusão ao mito do Narciso.
É a partir do narcisismo primário que é criado o eu ideal, uma imagem idealizada que criamos de onipotência e que não correspondem ao eu real. Todos nós carregamos para vida todo esse eu ideal, mas algumas pessoas ficam fixadas nessa fase, o que é denominada posição narcísica.
À medida que a díade mãe-bebê é substituída pela tríade mãe-bebê-pai, conforme a teoria freudiana, com a resolução do conflito edípico pelo processo de castração, há a formação de uma terceira instância psíquica conhecida como superego. O superego funciona como um juiz representante da moral, guardião das leis, sua formação é importante para podermos viver em sociedade. O superego dos pais é internalizado pela criança, juntamente com as expectativas e idealizações que os pais têm sobre ela, os valores da sociedade e da escola, o que dá origem ao “ideal do ego”. Ele é importante, porque ao idealizar os pais e outras figuras de autoridade (professores e instrutores) a criança passa a admirá-las e querer ser igual. É através do ideal do ego que buscamos atingir nossos objetivos e nos tornarmos pessoas melhores.
A neurose obsessiva-compulsiva ocorre quando as estruturas psíquicas, formadas a partir do narcisismo primário (eu ideal), o superego rígido e o ideal do ego estão fusionadas. O indivíduo não sabe que suas demandas são produtos de um eu idealizado, do que os pais ou a sociedade queriam que ele fosse e, até mesmo, o que ele realmente deseja. Nesse processo, cria-se no indivíduo um sentimento permanente de culpa e a necessidade de perfeição. Os sintomas que esse indivíduo apresenta estão relacionados à angústia de não corresponder às demandas das idealizações internas (ideal do ego) e dos outros (ego ideal) e de um superego rígido.
Os três fatores que estruturam o caráter obsessivo
Resumidamente, segundo Zimerman (2007), temos os seguintes fatores etiológicos na estruturação da neurose obsessiva-compulsiva:
O convívio com pais ou cuidadores obsessivos que impõem uma dinâmica punitiva (superego rígido) sobre os seus filhos, de acordo com seus valores morais, culturais e religiosos, e são internalizados pela criança;
Indivíduos que possuem um ego frágil e que são incapazes de lidar com as demandas de pais ou cuidadores perfeccionistas, portanto, sucumbem aos pensamentos punitivos de seus superegos internalizados;
Inadequação do treinamento do controle dos esfíncteres, com a exigência inadequada e precoce da retirada da fralda do bebê, antes dos dois anos, quando ele ou ela não tem maturidade neurofisiológica para controlar os esfíncteres. A rigidez no treinamento, mesmo na idade adequada, pode ser entendida pela criança como um controle inadequado sobre o seu corpo e como uma punição, gerando no indivíduo uma estruturação obsessiva de controle.
Transtorno obsessivo-compulsivo
Conforme o DMs-V, a neurose obsessiva-compulsiva está enquadrada dentro do Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). O TOC é uma neurose obsessiva-compulsiva que está associada à psicose paranoide. Pensamentos repetitivos, intrusivos e paranoicos induzem o sujeito a realizar rituais, com o objetivo e ânsia de impedir que algo de ruim possa ocorrer a ela ou a um familiar. Entre os rituais compulsivos, podemos descrever o ato de lavar as mãos, conferir se a porta está trancada, reorganizar objetos, sempre andar em uma linha imaginária, contar azulejos do banheiro antes de sair de casa e muitos outros. O que está em questão é a incapacidade do indivíduo em deixar de realizar esses rituais, o que compromete à sua qualidade de vida e das pessoas de seu convívio.
Como é feito o tratamento para o TOC e como a psicanálise pode contribuir?
O tratamento para o Transtorno obsessivo-compulsivo é realizado com psicofármacos, associado às psicoterapias. Portanto, o paciente pode optar por realizar um tratamento psicanalítico.
Na análise o indivíduo entrará em contato com as idealizações narcisistas inconscientes, pode confrontar e questionar o eu ideal (idealizações de si) e ideal do eu (idealizações dos pais). Da mesma forma, o processo analítico faz com que a pessoa consiga identificar a estruturação psíquica inconsciente que está relacionada à culpa e ao medo. Outro aspecto importante, é que a pessoa perceba que se amar e ser amado independe de se realizar tarefas de forma perfeita e idealizada.
O objetivo da análise é que o analisando possa identificar que a autoexigência para corresponder as demandas dos pais, de outras pessoas e um ego idealizado são as causas da angústia. Portanto, no processo analítico há uma desconstrução dos padrões autoimpostos e impostos pelos pais, juntamente com o fortalecimento do ego. No início pode parecer muito difícil, pois o analisando obsessivo tende a racionalizar os seus sintomas. O que se observa é que, progressivamente, há o alívio das angústias e sofrimentos, que foram impostos por um superego tirano e um uso excessivo de mecanismos de defesa.
Referência bibliográfica
Zimerman, David E. Fundamentos psicanalíticos [recurso eletrônico] : teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2007
Você se culpa por tudo? O perfeccionismo tem se tornado uma constante em sua vida? Pensa demais para fazer as coisas? Procrastina ou faz tudo impulsivamente? Será que não está na hora de deitar no divã?